PM's trabalhando em linha de montagem de peças de fábrica automotiva dentro do presídio. |
Nada de câmeras de segurança espalhadas pelos corredores, guardas armados, detectores de metal, grades em todos os lugares e presos algemados. O Presídio Militar Romão Gomes (PMRG), que abriga policiais militares presos em São Paulo e está localizado na Zona Norte da capital paulista, mais parece um quartel do que uma penitenciária. Com certificado de qualidade ISO 9001, o presídio conta com 20 empresas que utilizam o trabalho tercerizado dos detentos, segundo o comandante, tenente-coronel Abaré Vaz Lima. “Eu não me sinto preso, me sinto aquartelado. Isso aqui para mim é um quartel, tem um regime militar que seguimos à risca. Tem que prestar continência, cantar o hino, marchar. Buscamos manter a dignidade. E se não tiver hierarquia, não tem disciplina”, diz o detento A., condenado por homicídio e roubo. Ele é um dos que está há mais tempo no presídio – 9 anos e oito meses em regime fechado – e conta que todos lá já choraram pela saudade da família.
“O primeiro mês aqui dentro é o pior. Todos choram no primeiro Natal e no primeiro Ano Novo sozinho. Apesar de ser PM, de ser preparado para ser forte, a gente é humano, não é preparado para ir preso. Por uma fatalidade, acaba vindo para cá, por causa do serviço ou não. Na hora, você mata ou morre. É uma fração de segundos para decidir”, justifica A. “O momento mais aguardado por todos é o da visita e o dia da liberdade. Não tem preço”, acrescenta ele. O comandante da unidade, coronel Abaré, diz que todos os PMs presos cumprem as determinações penais rigidamente. "Se não segue as regras aqui dentro, se não tiver disciplina, mando para presídio comum", diz ele.
Assassinatos
No dia em que o G1 visitou a unidade, no início de maio, 80% dos 205 detentos cumpriam pena ou respondiam a processos por assassinatos. A maioria (69) está no primeiro estágio, onde os recém-chegados ficam os quatro meses iniciais: usam crachá vermelho, ficam em celas 22 horas por dia e têm direito a apenas duas visitas semanais por tempo determinado. “Todo policial que entra no Romão Gomes como interno ingressa no primeiro estágio, onde fica em celas com grade, divididos conforme o perfil psicológico. Se tiverem bom comportamento, irão progredir para a segunda fase após os 4 meses, onde ficam aquartelados, em salas sem grade. É como se fosse uma academia militar, com alojamentos grandes, portas e vidros”, diz o tenente Marcos de Godoy, comandante do pelotão de escolta e segurança do PMRG
No primeiro estágio, os detentos atuam na limpeza ou em atividades internas. Todos esperam a progressão para o segundo estágio, onde usam o crachá amarelo e podem trabalhar em uma das 20 empresas que existem no presídio e empregam o trabalho dos detentos. Algumas das empresas são tercerizadas. Outras, criadas e administradas pelo próprio comando do presídio, como os setores de apicultura, serralheria, tapeçaria, mecânica e um lava-rápido. Entre as empresas tercerizadas, há fábricas de tijolos e de casinhas de cachorro. Cada detento recebe mensalmente um salário mínimo e uma cesta básica, que é enviada à família. “A cada três dias de trabalho no regime de oito horas, há a remissão de um dia de pena”, afirma o coronel Abaré. Do salário pago ao preso, 60% é enviado aos parentes e 10%, depositado em uma poupança que só poderá ser sacada em liberdade. Outros 20% são para melhorias na unidade e 10% são depositados em uma conta para apoio aos recém-chegados, como pagamento de despesas da família e com advogados, diz o oficial.
Música para a alma
Internos do presídio usam ferramentas em áreas de serralheria, tapeçaria e outras fábricas. |
O soldado J. é músico e está preso por homicídio há quase dois anos. No PMRG, trabalha em tapeçaria. Toca bateria, contrabaixo e guitarra e, já preso, aprendeu a tocar sax – o instrumento foi presente do filho, de 13 anos. “Na minha vida, sempre trabalhei muito e deixei a família de lado. Quando eu sair daqui, vou querer ser professor de matemática, juntar meus filhos e dar valor à família. Infelizmente, na polícia, não dá para fazer isso”, diz o soldado. “Aqui dentro, eu aprendi coisas novas que lá fora eu desvalorizava, como este trabalho manual de criar pufes para crianças. Hoje, eu valorizo um trabalho destes. Antes, eu pensava 'um negão deste tamanho tem que ir atrás de ladrão'”, acrescenta o soldado, que toca e canta na banda do presídio.
Trabalho
O G1 conversou com 15 detentos no PMRG que defendem o trabalho na unidade para
diminuir a pena. “A questão financeira também pesa muito, pois a nossa família lá fora precisa que a gente ajude com dinheiro. O trabalho ainda nos ajuda a não pensar besteira, a não deixar a cabeça vazia”, afirma um interno. Para uma empresa automotiva, os detentos montam cerca de 500 mil peças por mês. Em outra ala, há a montagem de casinhas de cachorro. É neste local que trabalha um dos mais conhecidos matadores da PM, um soldado acusado pela Polícia Civil e pela PM de assassinar o coronel José Hermínio Rodrigues em 2008, que investigava o envolvimento de policiais em chacinas e na máfia de caça-níqueis. Ele não quis falar com a reportagem.
O proprietário da empresa em que o soldado trabalha no Romão Gomes diz não ter problemas na atuação dos presos. “Tenho esta empresa aqui no presídio há 20 anos. Pedi e a Justiça autorizou o trabalho deles e nunca tive problema algum. Eu me sinto à vontade aqui dentro, pois é um presídio diferenciado”, diz o empresário Roberto Ortiz, que produz cerca de 3 mil casinhas de cachorros por mês no PMRG. O emprego de presos para trabalho tercerizado, dentro e fora do presídio, é feito mediante autorização da Justiça Militar, que analisa o bom comportamento e os antecedentes criminais do policial. A empresa pode usar as dependências da penitenciária para se instalar, pois os detentos do regime fechado tem que obrigatoriamente trabalhar lá dentro.
Culpa
Algemado, policial deixa presídio em camburão da PM |
A maioria dos detentos que conversou com oG1 se exime de culpa pelo crime que cometeu. Eles dizem que são consequência do trabalho policial, afirmam que as acusações contra eles são "suposições" e que não há provas. “Houve um roubo na minha cidade e éramos a única viatura, recebi umas ligações, a coisa não ficou explicada e houve uma confusão. E se não tem culpado, colocam a culpa na gente. A polícia sempre foi meu sonho, mas infelizmente foi interrompido”, diz um sargento preso, que foi condenado por roubo e formação de quadrilha. Outro soldado, condenado a 18 anos por assassinatos no grupo de extermínio conhecido como “highlanders", por decepar as vítimas encontradas mortas em 2008 em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, disse ter sido “injustiçado” e afirma ser “inocente”. “Deus sabe que a mulher que disse que eu matei o irmão dela está enganada. Eu não fiz nada e fui condenado injustamente. Dois outros PMs presos iriam confessar o crime, mas no julgamento voltaram atrás, porque o advogado mandou. Eu nunca fiz este absurdo e não deixaria que ninguém sob meu comando fizesse”, desabafa o soldado, aos prantos.
Fonte: Portal G1
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