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Jornal de Hoje entrevistou no último sábado (24) o cordelista Marciano Medeiros, considerado um dos principais nomes do cordel potiguar. Na entrevista, Marciano fala sobre suas origens, premiações e produção. Nascido em Santo
Antônio aos 18 de setembro de 1973, toda sua origem familiar é de Serra de São
Bento. Desde adolescente observava seu pai João Batista de Medeiros (Joca de Zé
Bisel), ler e cantar belos romances clássicos em cordel e depois ouviu seu avô
materno, José Salustino Moreira, declamar inesquecíveis estrofes do Pavão
Misterioso. Membro da Academia Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel,
Marciano ficou em primeiro lugar em outubro de 2014, num concurso de cordel promovido
anualmente pela COSERN.
Confira a entrevista do cordelista ao Jornal de Hoje na íntegra:
De onde vem o seu
gosto pelo cordel?
Vem
de minha infância e adolescência, quando escutava meu pai cantando lindas
estrofes dos cordéis clássicos. Ele deitava numa rede em nossa casinha na Serra
do Meio e lia romances enormes, que para mim eram verdadeiros filmes feitos com
palavras. Tivemos uma vida meio nômade e nos mudamos para várias cidades, porém
permanecemos mais tempo em Parnamirim. Quando eu vinha visitar a serra, sempre ficava
na casa de José Salustino e dona Izabel Viana, meus avós pelo lado materno. O
senhor José Salustino tinha dezenas de estrofes decoradas e declamava o Pavão
Misterioso. Então resumidamente foi deste modo que comecei a apreciar romances
de cordel.
Qual foi sua
primeira obra escrita?
Em
1910 existiu uma história dramática e sangrenta em Serra de São Bento, sempre
contada por meu pai e coincidentemente por José Salustino, avô que acabei de
mencionar na pergunta anterior. Eles narravam uma briga que envolveu Luiz
Amâncio, Minô Targino e Cândido Luiz. Neste período alguns poderosos de Serra
de São Bento que acabei de citar, se uniram contra Cândido, um trabalhador
rural, de pequena estatura, negro e pobre. Minô querendo agradar seu amigo
resolveu espancar o trabalhador, por causa de uma questão dele com Luiz
Amâncio. Cândido assassinou o fazendeiro e teve uma fuga espetacular, sem
sofrer qualquer punição, pois terminou sendo absolvido num júri ocorrido em
Nova Cruz. Eu gravei uma entrevista e escrevi meu primeiro trabalho que me
atrevi a publicar. Era cheio de falhas, algumas rimas erradas e muitas
desmétricas. Depois fiz uma revisão e melhorei a qualidade do trabalho. Hoje já
tenho mais de 20 folhetos publicados.
Como surgiu este
apelido de poeta das biografias?
Tenho
um amigo que foi incentivador da criação da Academia de Cordel, o Gutenberg
Costa. Ele começou a ver folhetos de minha autoria contando a vida de Clara
Camarão, poeta Diógenes da Cunha Lima, jornalista Joaquim Pinheiro, alguns
políticos do Rio Grande do Norte, do alagoano Teotônio Brandão Vilela e muitos
outros, que vieram posteriormente, a exemplo de Câmara Cascudo, a vida Lampião
publicada pela Editora Luzeiro, José Wilker, Marinho Chagas, José Saldanha, Abaeté
do Cordel, Rita de Cássia Soares, Ronaldo Cunha Lima e Divaldo Franco, entre
outros. Então observando toda essa produção de perfis biográficos, Gutenberg
pegou a me chamar de poeta das biografias. Eu confesso que gostei, pois aprendi
a fazer estes perfis ouvindo violeiros, a começar de Helânio Moreira, um jovem
e talentoso repentista de Serra de São Bento. Depois escutei os irmãos Pereira
cantando a vida do papa João Paulo II, em treze sextilhas. Logo percebi,
digamos assim o segredo da coisa, pegar o essencial e fazer a ligação entre as
partes. Aprendi a narrar episódios e colocar também um pouco de poesia nas
estrofes. Foi deste modo que surgiu a referida alcunha de poeta das biografias.
Como se deu sua
entrada na Academia de Cordel?
Em
2011 Gutenberg Costa, Hélio Gomes Soares, Marcos Medeiros e Abaeté do Cordel,
ao lado de outros companheiros começaram um movimento para criação de uma
Academia de Cordel, a ser fundada no Rio Grande do Norte. Abaeté e Hélio por
razões pessoais se afastaram, ainda na fase de elaboração da referida
instituição. Outros persistiram e tivemos uma bela noite, onde começamos este
movimento, numa solenidade ocorrida na Academia de Letras do Rio Grande do
Norte. Assumiu a presidência a professora e poetisa Rosa Regis. Passei a
integrar a cadeira de número 31 e meu patrono é Luiz Gonzaga Felipe Neris.
Fale sobre sua recente
premiação, quando e como isso ocorreu?
A
COSERN criou um prêmio de cordel que já está em sua oitava edição, eu cheguei a
participar de cinco delas. Nunca sabia nem de minha classificação. Em 2014 o tema
foi muito bom: Comportamento seguro a vida acima de tudo. Tive uma inspiração e
elaborei narrativa dramática, procurando mostrar as consequências da
sexualidade feita de modo irresponsável. Intitulei o trabalho de: Confissões de
um sedutor. Diante do quadro de grandes e experientes poetas de Mossoró, Caicó
e de Pau dos Ferros representado pelo poeta Manoel Cavalcante, que já venceu
uma edição e ficou com excelente colocação noutra, cheguei a pensar que um
terceiro lugar já seria algo a ser comemorado. Afinal concorrer com numerosos
craques da poesia, como eu os chamo, de verdadeiros “Thomas Müller do cordel”,
numa alusão ao jogador alemão vencedor com sua equipe da última Copa do Mundo,
não é uma tarefa fácil. Eu estava no auditório da Flicks, quando anunciaram meu
trabalho em primeiro lugar na categoria livre. Deste modo fiquei muito feliz e
vivi uma semana de grande emoção, pelo reconhecimento do meu esforço e
persistência.
Existem grandes
poetas na atualidade, escrevendo cordéis?
Sim,
a começar pelo Rio Grande do Norte, onde temos muitos nomes atuantes e
naturalmente não posso mencionar todos. Relembro um poeta extraordinário, nosso
Xexéu de Santo Antônio do Salto da Onça. Antônio Francisco de Mossoró,
Crispiniano Neto, Paulo Varela, Bob Motta, Manoel Cavalcante, Rosa Régis, José
Acaci, Izaias, Hélio Pedro, Hélio Alexandre, Manoel Silva, Marcos Medeiros, Rariosvaldo
Oliveira, Abaeté, Hélio Gomes Soares, Sirlia Lima, Rita Cruz, Gil Ribeiro e
Nando Poeta, que está se especializando na história do cangaço. Já em nível
nacional temos os irmãos Viana do Ceará, Moreira de Acopiara, Varneci
Nascimento com quem aprendi a reforçar o zelo na produção das estrofes, Marco
Haurélio e muitos outros que não dar para citar, pois sempre faltará alguém. No
setor da pesquisa histórica o professor Aderaldo Luciano está mostrando um
pensamento inovador sobre a origem do cordel, que é fundamentalmente
brasileira. Na Europa se fez no máximo um embrião e a “criança”, falando
figuradamente, floresceu entre a Serra do Teixeira e Recife, com Silvino Pirauá
de Lima e Leandro Gomes de Barros, verdadeiros gênios que deram identidade ao
cordel brasileiro, completamente diferente das poucas obras feitas em Portugal
diferentes na estrutura dos nossos romances, algumas escritas pelo cego
Baltazar Dias por exemplo. Então voltando ao assunto temos valorosos poetas
exercendo a profissão de cordelistas e o professor Aderaldo Luciano enriqueceu
a lacuna da pesquisa fundamentada, com fortes e convincentes argumentos.
Qual foi sua última
obra e tem alguma pra vir em 2015?
Em
novembro de 2014 publiquei um romance de 32 páginas intitulado: Lindo amor que
floresceu nas páginas do Facebook. Tive grande aceitação com a trama moderna
ambientada em Serra de São Bento, na Escola Estadual Joaquim Torres. Esgotei a
primeira edição praticamente, dela tenho poucos exemplares, vou reimprimir e
continuar divulgando em todas as escolas que puder. Biografias tenho três para
finalizar, uma sobre Valdetário Carneiro, outra sobre o ex-governador Dinarte
Mariz e uma homenagem que amigos vão fazer a um vereador de Parnamirim, chamado
Ricardo Gurgel. Antes do cordel sobre o amor no Facebook, também elaborei um
perfil de Eduardo Campos.
O que você pode
dizer a um cordelista iniciante?
Se minha
experiência puder auxiliar alguém, recomendo que leiam os clássicos, Leandro
Gomes de Barros, José Camelo de Melo Rezende, Delarme Monteiro, Manoel
D`Almeida Filho, Antônio Teodoro dos Santos, Severino Borges e muitos outros.
Não abandonemos o folheto, publicar livros é legal, mas o folheto e o romance
devem continuar. Tenham cuidado com as revisões, não para se adequar a
aprovação de alguém, mas para oferecer um trabalho de qualidade. Procurem
aprimorar a métrica, as rimas e a correção gramatical. Outro fator importante é
o sentimento poético. O escritor Fernando Sabino disse que em certa
oportunidade estava escrevendo um trabalho e ligou para um amigo, que relembrou
determinado intelectual e repetiu o pensamento do mesmo para Fernando: “Não
seja biscoiteiro, construa uma obra de arte”. Acho que essa deve ser uma
preocupação constante, de todo aquele que acredita ser poeta.
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